alfabeto

18.6.07

Mário Pirata


Para que servem os dinossauros


O poema não defende teses não alimenta preces

não roga pragas não engorda larvas
não embala esperanças não castra crianças
não combate males não atravessa vales
não precisa nada o poema.
O poema pode surgir do encantamento
ou falar de um acontecimento,
não precisa ser difícil ou simples,
pode ser cantarolado ou rabiscado
do princípio ao fim.
O poema não precisa ser grande,
não precisa ser pequeno:
montanha gigantesca ou grão de areia,
ele toma a medidade quem o faça e de quem o leia.
O poema pode ter o sabor
de um copo d’água e calar a sede
ou ser a gota cristalina
que nos atira indefesos na vertente,
no riacho, na lagoa, no mar.
O poema quer apenas
a insignificância de um beijo,
a inocência de um carinho,
a irrelevância do vôo da fada
e do pássaro dentro do ninho.
Ele existe porque não acontece
deixar de ser feito:
flor no jardim, amor dentro do peito.
O poema não serve para nada
que não sirva para ser um poema.


leia mais Mário aqui.


2.6.07

Miguel Torga


Súplica


Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti, como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto o nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz, seria
Matar a sede com água salgada.