alfabeto

21.11.05

Hilda Hilst


Da noite

Que canto há de cantar o que perdura?

A sombra, o sonho, o labirinto, o caos
A vertigem de ser, a asa, o grito.
Que mitos, meu amor, entre os lençóis:
O que tu pensas gozo é tão finito
E o que pensas amor é muito mais.
Como cobrir-te de pássaros e plumas
E ao mesmo tempo te dizer adeus
Porque imperfeito és carne e perecível
E o que eu desejo é luz e imaterial.
Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?

Hiato


Eu aqui. Você lá. E um mundo de quilômetros de permeio.

8.11.05

Um breve retorno à letra A:


Poema da Amiga


Amiga,
tu não cabes num poema.
Esse dou a quem manda meu orgulho.
Ali os versos são medidos, são de propósito,
mas tu me dás o verso inesperado.
Assim me apraz,
assim eu gosto.
Me conversas, te converso,
dizes coisas tuas e me levas coisas minhas,
assim, sem que um peça, sem que o outro se obrigue.

Se a esse porto nos foi fácil a atracação,
dizer que não é escusado,
porque sabes que não.
Muitas vagas e tormentas,
vírgulas e reticências,
pontos de interrogação
—areia, pedra e cimento—,
fizeram esse, teu e meu, nosso momento,
onde um —capricho do acaso, sabe do outro.

Se nesse porto faz-se aconchegante o cais,
dizer que sim é redundante,
porque sabes que sim.
Risos recortando papos sérios,
e aquela saudade de ouvir
quando há pouco já ouvidos mutuamente
—areia, pedra e cimento—,
fazem esse, teu e meu, nosso momento,
onde um —não por acaso, cuida do outro.

Mas dizia que não cabes num poema.
Não porque os faço com compasso,
tiro o prumo, ponho esquadro e tudo mais.
Não.

Porque és sublime.

E porque és sublime,
dou-te as mãos que escrevem os poemas.
Os olhos que os lêem.
Os ouvidos que ouvem os poemas ainda no devir.
Dou-te o cheiro dos poemas.
E os lábios que os dizem.


Antoniel Campos


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