alfabeto

31.10.05

Hélio Pellegrino


Poema da Amiga


Amiga, se eu pudesse ser livre
e não ter nada,
Nem mesmo o desejo de
não ter nada.
Nem mesmo a consciência
de ti, nem mesmo
O humilde silêncio das coisas
que passam!
Amiga,
Esta bruma da manhã
é irredutível como o meu desejo
de expressá-la.
Toda bruma e todas as coisas
são irredutíveis
A tudo que não seja a mais
impossível pobreza.


Hífen


Ora liga, ora finge que separa. Ponte pênsil. Mãos dadas. Girassóis à beira-mar. Pôr-do-sol em água de rio. Lua cheia sobre o mangue. Mais um verso a reunir eu e você.


18.10.05

Um breve retorno à letra C:


sinais


olha as mãos
há apenas uma palavra
já sem pele

o que diriam
amigos antigos
sobre esse gesto
agora contumaz
de silenciar?

o que diriam
falsos amigos
sobre esse incesto
o significante comendo
o significado
do verbo calar?

nas mãos arde
uma última palavra
já sem olhos.


Camilo Rosa

leia mais camilo aqui.

1.10.05

Herberto Hélder


Não toques nos objectos imediatos


Não toques nos objectos imediatos.
A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chávena,
são loucos todos os objectos.
Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.
A boca fica em chaga.


Hoje


O que há um ano foi, não é mais que aquarela desbotada na parede da alma. Vez em quando encanta. Vez em quando dói. Na maior parte do tempo, entretanto, o que fora tudo, hoje é um imenso e etéreo quase nada.