alfabeto

22.7.05

Florbela e Eu


1-



Eu sigo te e tu foges. É este o meu destino:
Beber o fel amargo em luminosa taça,
Chorar amargamente um beijo teu, divino,
E rir olhando o vulto altivo da desgraça!

Tu foges-me, e eu sigo o teu olhar bendito;
Por mais que fujas sempre, um sonho há-de alcançar-te
Se um sonho pode andar por todo o infinito,
De que serve fugir se um sonho há-de encontrar-te?

Demais, nem eu talvez, perceba se o amor
É este perseguir de raiva, de furor,
Com que eu te sigo assim como os rafeiros leais.

Ou se é então a fuga eterna, misteriosa,
com que me foges sempre, ó noite tenebrosa!
..............................................................
Por me fugires, sim, talvez me queiras mais!


Florbela Espanca


2-


Eu fujo-te. Tu ficas. O que é o destino?
Se em vez de fel amargo contiver a taça
o mel dourado e doce do lagar divino
bebê-lo à despedida dir-se-á desgraça?

Tu fitas-me, e eu fujo, alheia ao teu bendito
olhar: de que me serve? Não ouso alcançar-te
o sonho de ficar, ficar... Faz-te infinito
amor,e mesmo longe prometo encontrar-te!

Talvez seja mais que tempestade, o amor,
efêmero bafejo de mar em furor
que impune sacrifica pesqueiros leais

ou seja a calmaria vã, misteriosa
que em nós desdobra negra noite tenebrosa
.............................................................
: se acaso aqui ficasse, te amaria mais?


Márcia Maia



16.7.05

Flávio Machado


Mapa Astral


para Márcia Maia


Não conheço meu ascendente
nem sei em que casa o Sol estava quando nasci
apenas aprendi a sentir seu cheiro nas manhãs
no calor dos sorrisos
nos abismos que não investigamos

Agora lembro de uma canção
mas não sei o meu ascendente
ou em que Lua estamos
apenas pretendo descobrir uns atalhos
uns caminhos de luz
para te acompanhar em qualquer jornada
em qualquer constelação
mas sou um astro vagabundo que a cigana inventou
um astro vagabundo que anuncia o fim do mundo

Não conheço meu ascendente
mas te procuro
e te encontro
ainda que distraída não percebas
a trajetória de meus cometas
em teu céu.


leia mais Flávio aqui.


Frágil fio


: o tempo. Diz-se hoje o que amanhã será passado. E amanhã o que logo será hoje. Um ano atrás, o dia de hoje dizia-se futuro. Já não é mais: o alfabeto faz um ano neste dia.

A todos os que aqui vieram, vêm e virão, o meu muito obrigada. Além do meu beijo e do meu carinho. Sempre.


6.7.05

Fiama Hasse Pais Brandão


O Mar Amado


O que nele se move
é exactamente
o que amo

ou o que chamo
porque onda chamo
ao movimento

Cresce na tão igual
água
amado
por mim exactamente
amado
como se em vez de mar
fosse algo
mais do que água
ou maior.


Fatalidade?


Maré cheia, moça e lua — sós e nuas — noite alta, se afogaram.