alfabeto

29.3.05

Eugénio de Andrade


Adeus


Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos eram
os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.

Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Espanto


Da boca que de amor tanto e tanto me falara, brotaram as mais duras e interditas palavras. E em mim restou, além do espanto, toda a tristeza que emana de um jardim destruído por um lamaçal em enxurrada.


18.3.05

Eduardo Alexandre


Canção Edipiana


A amar, aprendi na infância.
Na ausência do peito da minha mãe.
Aprendi, portanto, pela necessidade.
Pelos prazeres concedidos ao meu corpo,
Que satisfeito deixou-se evoluir em carícias.

Aprendi a amar pela boca.
E é através dela
Que manifesto o meu amor:
Digo quero, digo amo.
E, assim, satisfaço a paixão
Do ardente coração
Que se desfaz em chamas
De saudade de você !

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entreolhares


um riso terno nos olhos na boca um gesto raro e nas mãos todas as palavras exatas exíguas raras